segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Devoção

O carro entrou lentamente no estacionamento da praça e suavemente parou na vaga que lhe proporcionava o seu ângulo favorito do lugar. Tinha que entender... porque insiste em ficar próximo de pessoas que não lhe fazem bem?
É... faz parte do seu joguinho psicológico particular... aquele velho jogo de poder que ele teima em propor à si mesmo porém, sem nenhum propósito aparente. É deveras curioso esse gosto macabro por alternar entre os papéis de vítima e algoz dentro da própria mente.
Parte dessa loucura provém da crença de que, pode tocar as pessoas; da ânsia em marcá-las de forma que ele será lembrado para sempre... ele quer ser único de algum modo na vida dos que lhe são caros, e por isso procura o tempo todo fazer o que nenhuma outra pessoa faria. Acorda todos os dias e levanta para entregar o seu melhor, sai disposto a surpreender... comover... se doar... é isso que faz, é quem ele é. No entanto, se sente esgotado por investir em relações que na maioria das vezes não agregam nada em sua vida. É como uma via de mão única.
É claro, todos fazemos concessões o tempo todo para nos relacionarmos com as pessoas ao redor, afinal o contrário também é verdade... faz parte da política da boa vizinhança. Porém, deveria partir do principio que nem todos serão seus amigos íntimos, pois as pessoas exercem funções distintas na vida da gente conforme permitimos e aprender a lidar com essa ideia. Mas então porque, insiste em consentir adentrar sua privacidade pessoas que não mereciam estar lá? O duelo continua...
Sente-se impelido à iniciar um processo de desintoxicação... precisa começar internamente e expandir, alcançando tudo que considera relevante. Não é necessário se obrigar... nem se submeter à relacionamentos superficiais... muito menos ser escravo de suas próprias curiosidades e satisfações pessoais. Não, ele tem que estabelecer limites e entender em quais momentos se deixar levar por seus caprichos mentais, aprender a identificar quando está sendo prejudicado pelas suas escolhas. Tem que saber identificar o que de fato lhe trará satisfação... de quem a presença o fará crescer como pessoa... como ser humano... 
Sim, sente que é primordial e urgente se blindar, se preservar e instituir relações realmente profundas apenas com quem prova ser digno de confiança, quem comprova legítimo interesse em quem ele é de fato, que compreende seus dilemas e suas dúvidas pois também está cheio delas... num cenário sem julgamentos, sem falsos pudores, sem hipocrisia... 
Sabe que tudo isso não acontece de repente... confiança é fruto de muita dedicação no cultivo. Vínculos autênticos são construídos sob bases sólidas de amizade sincera... de amor puro e simples... e, é só através dele que se pode alcançar relacionamentos plenos e duradouros. 
Ele deseja intimamente poder ir à um baile sem máscaras e se divertir como nunca; poder se sentir realizado, apenas por desfrutar da companhia das pessoas que escolheu para estar junto...
Ele anseia unicamente pela energia que recarrega, que impulsiona... está exausto da negatividade sugando sua juventude, das cobranças desnecessárias, dos julgamentos precipitados! Definitivamente não precisa disso.
A cada pensamento desenrolado, uma certeza... já encontrou a reciprocidade! Ela é sublime e acompanha os realmente livres!
Lentamente começa a manobrar para ir embora... A sociedade exige que sejamos bondosos e gentis à seus moldes, numa definição imunda que beneficia apenas alguns muito interessados em que nos comportemos "adequadamente"... Mas, não... Para ele, a perigosa liberdade não será fatal, será a chave do seu sucesso pessoal.