sábado, 22 de junho de 2019

O Castelo de ponta-cabeça

Ela não se percebe mas, as vezes nota que sua ternura vai se esvaindo ao poucos... já não tem interesse em relações que se mostram potencialmente decepcionantes, sente repulsa em vínculos pautados em interesses sustentados em aparências e falsidade e, seu estômago embrulha ante ao mísero sinal injustiça; Quanto mais o tempo passa e fica evidente a falta de sinceridade e hipocrisia intrínseca em todas as esferas de convívio, vai perdendo a fé na humanidade. 
Está tão cansada de sentimentos supérfluos, que não consegue se permitir profundamente sem antes pôr à prova os sentimentos no outro. A verdade? As pessoas tem sido tão comuns em suas lamentações sem nenhuma iniciativa; no começo é doloroso, depois é entediante e, no fim você se torna cada vez mais indiferente; Por isso, dificilmente alguém conseguirá uma conexão mais duradoura se ela não consentir, numa forma de auto defesa ergueu muros por onde muitas pessoas espreitam, mas sem nunca saber de fato o que existe por trás deles. Chega uma hora em que interagir com outros seres humanos é quase um sacrifício e exige um esforço extremo. Tem horas que desmorona por dentro e enquanto sorri alegremente sua alma se contorce... de ansiedade, na incerteza, de medo...
Sua fortaleza está cercada por fossos profundos onde depositou as próprias lágrimas mas, só ela sabe disso; nas fundações estão fé, caixas de papelão rasgadas, miojo e a sonata moonlight de Beethoven; no hall de entrada ouve-se Songbird de Kenny G sendo executado em algum fundo escuro dos porões mantendo o monstro sob controle enquanto alguém bravamente se aventura na aproximação.
Geralmente não paramos para pensar mas, ao longo da vida, nossa própria mente também vai se tornando um enorme castelo assombrado, com muitos quartos abertos, limpos e iluminados, mas também com muitos outros escuros e cheios de entulhos, de onde saem bichos que eventualmente são encontrados nos quartos limpos.
A cada questionamento sem resposta... um desapontamento, uma tentativa de permanecer impassível, um suspiro desesperado em busca de fôlego para tentar fazer diferente... diferença. A cada esforço para fazer o melhor, a decepção da falta de reconhecimento... E a frustração por sentir que não é suficiente. Juntar tralha nos lados não visitados da mansão acaba nos matando um dia.
Ela demonstra força, resiliência... de fato é verdade... mas a que preço? Não basta matar os bichos que aparecem nos espaços limpos, há que se faxinar os espaços fechados, os quartos escuros. Há que se encarar seus demônios de frente.
Que não se perca a inocência, que não perca a sensibilidade em lidar com o próximo, a capacidade de reconhecer o erro, de pedir perdão... de aceitar uma opinião diferente, de refletir sobre... 
Não podemos ser constantemente irredutíveis em nossas idéias, intransigentes com o sentimento do outro, apressados em medir o próximo com a nossa régua pois é com a mesma que seremos medidos. Gostaríamos de conviver com nós mesmos se não fossemos quem somos? Ou manteríamos distância? Suas atitudes se observadas de longe seriam dignas de admiração ou repugnância? 
Talvez não estejamos sabendo lidar com as pressões da atualidade; talvez não estejamos preparados para tantas crianças que chegaram à vida adulta sem amadurecer e, nos falte a simplicidade do passado, a sabedoria dos antigos, a empatia da verdade e a justiça como prumo de nossas ações... Para conviver em sociedade, para viver... 



segunda-feira, 3 de junho de 2019

Não quero ser salvo

Como foi seu dia hoje? Como eles têm sido ultimamente? Ao observar as pessoas em suas rotinas me pergunto se estão de fato satisfeitas com rumo que tomaram em suas vidas. Onde têm depositado sua esperança? Pelo que têm se dedicado dia após dia? Quais são seus anseios e objetivos para o futuro que ainda lhes resta? Impossível calcular quanto tempo deste que já se passou, desperdiçamos investindo principalmente em relações que estavam destinadas ao fracasso, ou alimentando projeções que só haviam em nossas mentes à respeito de coisas e pessoas que nunca existiram; Que estavam lá mas, que no fim não eram o que esperávamos.
Porque somos mesmo assim assim, depositamos nossa fé em frivolidades e escolhemos ignorar a brevidade da nossa existência, vivendo como se o fôssemos fazer para sempre.
Grande parte de tudo que vemos e conceitos que formamos são feitos com base em definições superficiais que não são capazes de revelar a profundidade das coisas. E não é necessário! Pode ser desconfortável sim, mas onde houver respeito podemos, mesmo sem ter a profundidade, sermos capazes de ser justos assim como gostaríamos que nos fosse feito, e isso é suficiente.
Se até aqui, de tudo que já vivemos tiramos lições que nos fizeram crescer e, seguir em frente mais maduros somos parte de um pequena e afortunada parcela da população, e devemos fazer um minuto de silêncio e reflexão pelos que ainda estão pelo caminho.
Não adianta tentar enganar a si mesmo, alimentar monstros fora do armário - embaixo da cama, que seja - ainda é estar preso!
Passamos os dias a scannear comportamentos, buscando padrões e, por vezes num complexo de salvador tentamos numa insistência incômoda salvar os "miseráveis" de um suposto sofrimento. Já parou para pensar que talvez o outro não queira ser salvo? E que a sua realidade possa diferir da do próximo? E mais, que as vezes a melhor maneira de ajudar alguém seja não ajudar, a não ser que venha um pedido de ajuda? E, ainda assim ele deve vir acompanhado de ações reais de mudança. Ações invasivas podem ser extremamente nocivas, por isso limites são tão essenciais para nos auxiliar na manutenção da sanidade. Deve haver um limite no poder que concedemos às pessoas sobre a nossa vida, porém se não houver auto-conhecimento não saberemos nunca quando essa barreira for ultrapassada. Tanto para quem quer salvar quanto para quem quer ou não ser salvo.
Até que ponto devemos permitir que alguém/algo entre em nossa cabeça e tire a nossa paz, ou seremos coniventes quando tentam a todo custo deletar nossa essência, destruir quem somos porque não se encaixa... não agrada... não convém... Embora as pessoas/coisas só tenham o poder que damos à elas, o maior inimigo diário não está lá fora, somos nós mesmos e o maior desafio está em nos manter firmes e equilibrados em nossas insanidades; e, assim erguer as barreiras necessárias para que o "poder" não seja entregue em mãos erradas.
Nosso corpo precisa de alguns acordos simples, de rotina... e sofrer quando o momento se apresenta, deve fazer parte dela. Que problema tem em tirar um tempo para sofrer? Limites lembra? Já dizia o salmista "O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã."(Sl 30:5b) e, quanta beleza e sabedoria há nessa passagem! O sofrimento faz parte do desenvolvimento mas, temos que estar atentos para que não se torne um auto flagelo irracional.
Tudo tem seu tempo e alcançar o patamar onde conseguimos olhar para trás, ver que todo o sofrimento e dificuldades valeram a pena e ser gratos por isso, demonstra um grau de evolução pessoal muito importante. Quem somos hoje é fruto desse sofrimento, desse crescimento, do aprendizado e, mudar quem nos tornamos a partir da nossa história de vida é dar as costas à tudo isso, é desprezar todo o processo que levou a borboleta a ganhar asas...
O fim virá, breve ou não, tudo vai passar e, tão logo não estejamos mais aqui não seremos mais lembrados nem pelos mais caros, quanto mais por aqueles a quem não representamos nada... Hoje já somos números. Então, até quando vamos nos machucar tentando mudar quem somos com a desculpa da "adaptação"? Numa escala de valores, vale a pena? É realmente importante a ponto de recomeçar uma vida em favor de uma causa que não lhe é cara? Ou de pessoas que não tem significado real?