Ela não se percebe mas, as vezes nota que sua ternura vai se esvaindo ao poucos... já não tem interesse em relações que se mostram potencialmente decepcionantes, sente repulsa em vínculos pautados em interesses sustentados em aparências e falsidade e, seu estômago embrulha ante ao mísero sinal injustiça; Quanto mais o tempo passa e fica evidente a falta de sinceridade e hipocrisia intrínseca em todas as esferas de convívio, vai perdendo a fé na humanidade.
Está tão cansada de sentimentos supérfluos, que não consegue se permitir profundamente sem antes pôr à prova os sentimentos no outro. A verdade? As pessoas tem sido tão comuns em suas lamentações sem nenhuma iniciativa; no começo é doloroso, depois é entediante e, no fim você se torna cada vez mais indiferente; Por isso, dificilmente alguém conseguirá uma conexão mais duradoura se ela não consentir, numa forma de auto defesa ergueu muros por onde muitas pessoas espreitam, mas sem nunca saber de fato o que existe por trás deles. Chega uma hora em que interagir com outros seres humanos é quase um sacrifício e exige um esforço extremo. Tem horas que desmorona por dentro e enquanto sorri alegremente sua alma se contorce... de ansiedade, na incerteza, de medo...
Sua fortaleza está cercada por fossos profundos onde depositou as próprias lágrimas mas, só ela sabe disso; nas fundações estão fé, caixas de papelão rasgadas, miojo e a sonata moonlight de Beethoven; no hall de entrada ouve-se Songbird de Kenny G sendo executado em algum fundo escuro dos porões mantendo o monstro sob controle enquanto alguém bravamente se aventura na aproximação.
Geralmente não paramos para pensar mas, ao longo da vida, nossa própria mente também vai se tornando um enorme castelo assombrado, com muitos quartos abertos, limpos e iluminados, mas também com muitos outros escuros e cheios de entulhos, de onde saem bichos que eventualmente são encontrados nos quartos limpos.
A cada questionamento sem resposta... um desapontamento, uma tentativa de permanecer impassível, um suspiro desesperado em busca de fôlego para tentar fazer diferente... diferença. A cada esforço para fazer o melhor, a decepção da falta de reconhecimento... E a frustração por sentir que não é suficiente. Juntar tralha nos lados não visitados da mansão acaba nos matando um dia.
Ela demonstra força, resiliência... de fato é verdade... mas a que preço? Não basta matar os bichos que aparecem nos espaços limpos, há que se faxinar os espaços fechados, os quartos escuros. Há que se encarar seus demônios de frente.
Que não se perca a inocência, que não perca a sensibilidade em lidar com o próximo, a capacidade de reconhecer o erro, de pedir perdão... de aceitar uma opinião diferente, de refletir sobre...
Não podemos ser constantemente irredutíveis em nossas idéias, intransigentes com o sentimento do outro, apressados em medir o próximo com a nossa régua pois é com a mesma que seremos medidos. Gostaríamos de conviver com nós mesmos se não fossemos quem somos? Ou manteríamos distância? Suas atitudes se observadas de longe seriam dignas de admiração ou repugnância?
Talvez não estejamos sabendo lidar com as pressões da atualidade; talvez não estejamos preparados para tantas crianças que chegaram à vida adulta sem amadurecer e, nos falte a simplicidade do passado, a sabedoria dos antigos, a empatia da verdade e a justiça como prumo de nossas ações... Para conviver em sociedade, para viver...